A realidade dos atestados médicos em psiquiatria
Uma questão que observo há anos no ambiente corporativo é a tensão em torno da duração dos atestados médicos em psiquiatria. É comum empresas questionarem os longos períodos de afastamento, duvidarem da precisão do diagnóstico ou até mesmo da qualificação do profissional que emitiu o atestado.
Mas aqui está uma verdade inconveniente: quem tem empresa precisa aceitar que pessoas ficam doentes. E doença gera impacto financeiro e operacional. É melhor incluir isso no orçamento do que entrar em conflito com profissionais de saúde sobre prazos de atestado.
Por que não existe um “protocolo padrão”
Muitas empresas me perguntam sobre protocolos fixos para tempo de afastamento em saúde mental. A resposta é sempre a mesma: não existem. O tempo de atestado deriva de uma avaliação completamente individualizada que considera múltiplos fatores:
- Fase da doença: início, agudização ou cronificação
- Estágio do tratamento: primeira consulta ou acompanhamento
- Contexto social: suporte familiar, por exemplo
- Acesso ao sistema de saúde: disponibilidade de consultas e especialistas
- Comorbidades: outras condições médicas associadas
- Acessibilidade ao tratamento: medicamentos e psicoterapia
Duas pessoas com o mesmo diagnóstico de depressão podem receber tempos de afastamento completamente diferentes. Na verdade, quando o trabalho não é um fator de risco, muitas vezes nem deveria haver afastamento – afinal, o trabalho deveria ser, por natureza, um promotor de saúde mental.
O que dizem os dados
Fui buscar referências pra ver se havia literatura ou registro histórico que ajudasse a acalmar os corações corporativos (ou pelo menos levasse a um caminho de mais aceitação e menos reatividade).
Pra minha não surpresa, não encontrei.
Então recorri à IA e a Manus me ajudou a puxar os dados abaixo (fontes: Ministério da Previdência Social, AGEPREV/MS, literatura médica especializada).
CID | Grupo diagnóstico | Tempo sugerido |
F00–F09 | Transtornos mentais orgânicos | 14–30 dias |
F10–F19 | Transtornos por uso de substâncias | 14–60 dias |
F20–F29 | Esquizofrenia e transtornos delirantes | 21–60 dias |
F30–F39 | Transtornos do humor | 14–45 dias |
F40–F48 | Transtornos relacionados ao estresse | 7–30 dias |
F50–F59 | Síndromes comportamentais | 14–45 dias |
F60–F69 | Transtornos de personalidade | 14–60 dias |
F70–F79 | Deficiência intelectual | avaliação especial |
F80–F89 | Transtornos do desenvolvimento | avaliação especial |
F90–F98 | Transtornos da infância | 7–30 dias |
F99 | Transtorno mental não especificado | 7–21 dias |
Depois de 12 anos trabalhando em psiquiatria, posso afirmar que esses dados são coerentes com a prática médica real, considerando sua enorme variabilidade. Não há como fugir dessa realidade, mas algumas estratégias podem ajudar:
1. Garantir acesso à saúde mental
Ofereça planos de saúde com boa cobertura psiquiátrica e psicológica. Quanto mais rápido o funcionário tiver acesso ao tratamento, menor tende a ser o tempo de afastamento.
2. Trabalhar a cultura organizacional
Invista em um ambiente que promova saúde mental: gestão humanizada, prevenção do esgotamento, políticas de bem-estar e comunicação aberta sobre questões de saúde mental.
3. Planejar-se financeiramente
Inclua os custos de afastamentos por saúde mental no orçamento anual. É um investimento necessário, não um gasto inesperado.
4. Focar na prevenção
Programas de qualidade de vida, apoio psicológico preventivo e identificação precoce de sinais de adoecimento podem reduzir significativamente a necessidade de afastamentos prolongados.
A questão fundamental
A verdade é que questionar o tempo de atestado médico é questionar a expertise de um profissional qualificado que avaliou tecnicamente o paciente. Ao invés de focar no “por que tanto tempo”, as empresas deveriam perguntar: “o que podemos fazer para que nossos funcionários não cheguem ao ponto de precisar se afastar?”.
A saúde mental no trabalho é responsabilidade compartilhada. Quanto mais as empresas investirem em prevenção e suporte, menos lidarão com afastamentos prolongados e seus custos associados.
E a sua empresa? Como lida com atestados psiquiátricos hoje? Qual tem sido a abordagem para promover saúde mental no ambiente de trabalho?