Dra. Erica Maia Alvarez

A realidade dos atestados médicos em psiquiatria

Uma questão que observo há anos no ambiente corporativo é a tensão em torno da duração dos atestados médicos em psiquiatria. É comum empresas questionarem os longos períodos de afastamento, duvidarem da precisão do diagnóstico ou até mesmo da qualificação do profissional que emitiu o atestado.

Mas aqui está uma verdade inconveniente: quem tem empresa precisa aceitar que pessoas ficam doentes. E doença gera impacto financeiro e operacional. É melhor incluir isso no orçamento do que entrar em conflito com profissionais de saúde sobre prazos de atestado.

Por que não existe um “protocolo padrão”

Muitas empresas me perguntam sobre protocolos fixos para tempo de afastamento em saúde mental. A resposta é sempre a mesma: não existem. O tempo de atestado deriva de uma avaliação completamente individualizada que considera múltiplos fatores:

  • Fase da doença: início, agudização ou cronificação
  • Estágio do tratamento: primeira consulta ou acompanhamento
  • Contexto social: suporte familiar, por exemplo
  • Acesso ao sistema de saúde: disponibilidade de consultas e especialistas
  • Comorbidades: outras condições médicas associadas
  • Acessibilidade ao tratamento: medicamentos e psicoterapia

Duas pessoas com o mesmo diagnóstico de depressão podem receber tempos de afastamento completamente diferentes. Na verdade, quando o trabalho não é um fator de risco, muitas vezes nem deveria haver afastamento – afinal, o trabalho deveria ser, por natureza, um promotor de saúde mental.

O que dizem os dados 

Fui buscar referências pra ver se havia literatura ou registro histórico que ajudasse a acalmar os corações corporativos (ou pelo menos levasse a um caminho de mais aceitação e menos reatividade).

Pra minha não surpresa, não encontrei.

Então recorri à IA e a Manus me ajudou a puxar os dados abaixo (fontes: Ministério da Previdência Social, AGEPREV/MS, literatura médica especializada).

CID Grupo diagnóstico Tempo sugerido 
F00–F09 Transtornos mentais orgânicos 14–30 dias 
F10–F19 Transtornos por uso de substâncias 14–60 dias 
F20–F29 Esquizofrenia e transtornos delirantes 21–60 dias 
F30–F39 Transtornos do humor 14–45 dias 
F40–F48 Transtornos relacionados ao estresse 7–30 dias 
F50–F59 Síndromes comportamentais 14–45 dias 
F60–F69 Transtornos de personalidade 14–60 dias 
F70–F79 Deficiência intelectualavaliação especial 
F80–F89 Transtornos do desenvolvimento avaliação especial 
F90–F98 Transtornos da infância 7–30 dias 
F99 Transtorno mental não especificado 7–21 dias 

Depois de 12 anos trabalhando em psiquiatria, posso afirmar que esses dados são coerentes com a prática médica real, considerando sua enorme variabilidade. Não há como fugir dessa realidade, mas algumas estratégias podem ajudar:

1. Garantir acesso à saúde mental

Ofereça planos de saúde com boa cobertura psiquiátrica e psicológica. Quanto mais rápido o funcionário tiver acesso ao tratamento, menor tende a ser o tempo de afastamento.

2. Trabalhar a cultura organizacional

Invista em um ambiente que promova saúde mental: gestão humanizada, prevenção do esgotamento, políticas de bem-estar e comunicação aberta sobre questões de saúde mental.

3. Planejar-se financeiramente

Inclua os custos de afastamentos por saúde mental no orçamento anual. É um investimento necessário, não um gasto inesperado.

4. Focar na prevenção

Programas de qualidade de vida, apoio psicológico preventivo e identificação precoce de sinais de adoecimento podem reduzir significativamente a necessidade de afastamentos prolongados.

A questão fundamental

A verdade é que questionar o tempo de atestado médico é questionar a expertise de um profissional qualificado que avaliou tecnicamente o paciente. Ao invés de focar no “por que tanto tempo”, as empresas deveriam perguntar: “o que podemos fazer para que nossos funcionários não cheguem ao ponto de precisar se afastar?”.

A saúde mental no trabalho é responsabilidade compartilhada. Quanto mais as empresas investirem em prevenção e suporte, menos lidarão com afastamentos prolongados e seus custos associados.

E a sua empresa? Como lida com atestados psiquiátricos hoje? Qual tem sido a abordagem para promover saúde mental no ambiente de trabalho?

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