O SUS aos 37 anos
Setembro traz a lembrança da Lei nº 8.080/1990, que regulamentou o Sistema Único de Saúde. Em 2025, porém, o SUS celebra 37 anos de existência, já que sua origem remonta à Constituição de 1988, quando a saúde foi reconhecida como direito de todos e dever do Estado. Este ano também marca, para mim, 18 anos de convivência com o SUS em uma nova perspectiva — não mais apenas como paciente.
Foram seis anos de formação médica, seguidos por três anos de residência em psiquiatria e mais nove anos trabalhando dentro de hospitais e equipamentos do SUS. Cada dia foi uma lição sobre a profundidade do sofrimento mental, sobre a profundidade do cuidado necessário e sobre como é possível estabelecer conexões genuínas com outros seres humanos em níveis que nenhum livro consegue descrever.
Descobri algo fundamental nessa jornada: na atenção voltada para a fragilidade do outro, não há espaço para relações superficiais ou “líquidas”. O cuidado em saúde mental exige presença, autenticidade e compromisso que vai além de protocolos e diretrizes.
O SUS como escola
O SUS foi muito mais que meu local de trabalho. Foi minha escola, minha segunda casa e meu sustento. Foi o espaço onde aprendi sobre construção – construção de vínculos terapêuticos, construção de projetos de vida, construção de esperança mesmo nos cenários mais desafiadores.
A cada plantão, a cada consulta, a cada grupo terapêutico, o SUS me ensinou sobre:
- Diversidade humana em sua forma mais crua e real
- Resiliência de pessoas que enfrentam múltiplas vulnerabilidades
- Criatividade necessária para fazer muito com poucos recursos
- Trabalho em equipe como única forma de cuidado integral
- Humildade diante da complexidade do sofrimento mental
Não consigo imaginar o que seria da minha vida sem o SUS. Ele moldou quem sou como profissional e como pessoa.
A diversidade do nosso país traz demandas que um único sistema não consegue atender completamente. E é importante reconhecer isso sem romantizar ou demonizar. Para essas lacunas existem outras ferramentas de cuidado – iniciativa privada, terceiro setor, medicina complementar – que podem e devem trabalhar de forma complementar.
A única constante é a mudança
Do mundo VUCA ao BANI, ou qualquer novo acrônimo que venha a surgir, uma coisa permanece constante: a mudança.
O SUS de hoje não é o mesmo de 1990, nem será o mesmo em 2030. Existirão adaptações às novas realidades epidemiológicas, tecnológicas e sociais que emergem constantemente.
Olhando para trás, só tenho gratidão por essa experiência de construção e desenvolvimento que o SUS me proporcionou. Cada desafio, cada pequena vitória, cada aprendizado moldou não apenas minha visão como profissional, mas como ser humano. O SUS me ensinou que cuidar da saúde mental de um país é um projeto coletivo, que demanda não apenas técnica, mas principalmente humanidade. Me ensinou que sistemas de saúde são feitos de pessoas – e que se conectar genuinamente é o único meio de alívio para o sofrimento.
Aos 37 anos, o SUS ainda é jovem se pensarmos em sistemas de saúde mundiais. Tem muito a amadurecer, muito a aprender, muito a construir. Que sigamos construindo, adaptando e resistindo. Que o SUS continue sendo escola para novas gerações de profissionais.
E você? Qual foi sua experiência com o SUS? Como ele impactou sua trajetória profissional ou pessoal?
Foto: 2013. No dia da minha formatura na Universidade Federal de Santa Catarina. Quando eu ainda nem imaginava o tamanho do mundo.